Gosto de manter meus filhos ignorantes em alguns contextos. Explico: nunca comprei nada que as crianças quisessem na presença delas. Demoraram anos para descobrir que era possível sair de uma loja com um brinquedo ou guloseima, caso eu comprasse. Como ignoravam essa possibilidade, sempre devolviam para os vendedores. Sem birra, sem estresse, sem o sentimento de perda que a decisão egoísta do papai poderia gerar. A gente saía das lojas da mesma forma que entrava: uma família feliz.
Era mágico. Ambulantes abusados, usando estratégias ofensivas de venda, entregavam nas mãos dos meus filhos, sem minha permissão, brinquedinhos piscantes e barulhentos. Os olhinhos brilhavam. Eu deixava, pois essa artimanha não funcionaria com minhas crias ignorantes. Meus filhos eram os indígenas e a possibilidade da compra daquele produto era uma caravela em 1.500. Não conseguiam enxergar aquilo que nunca tinham visto. Pleno, eu os observava explorando e se maravilhando com os brinquedos. Chegado o momento de ir, eu anunciava: "pronto, agora devolve para o moço e vamos". Os ambulantes recolhiam seus trecos, derrotados e incrédulos.
A primeira vez que eles entenderam que eu tinha o poder de pagar pelas coisas foi quando, inesperadamente, aluguei por trinta minutos aqueles minicarros elétricos de shopping para crianças. Ao invés de entrar nos carrinhos desligados, fingir que dirigiam e ir embora, como sempre fizemos, eles puderam, de forma inédita, dirigir "de verdade" pelos movimentados corredores do shopping, com altos níveis de adrenalina, no melhor estilo Menores e Furiosos. Um novo mundo de possibilidades foi descortinado. Ficaram maravilhados. Eram Aladdin e Jasmine no tapete mágico ao som de A whole new world.
Desbloquearam uma nova habilidade: "meu pai pode pagar pelas coisas que eu quero". Depois disso, eles sempre queriam que eu pagasse para andar nos carrinhos. Eu nunca deixava. A questão não era o dinheiro, o gasto em si. Não. Era uma questão de princípios e valores. Crianças são imediatistas, impulsivas, inconsequentes e movidas por emoção. Precisava ensiná-las um pouco de racionalidade. Não tinha condições de, todas as vezes que fôssemos ao shopping, eu me sentir coagido a gastar com isso porque meus filhos queriam muito. Eles tinham que aprender que quando pode, pode. Quando não pode, não pode.
Rapidamente entenderam. Sempre que pediam, eu explicava que "hoje não" e seguíamos o passeio pelo shopping sem desgaste.
No dia do aniversário de seis anos da minha filha, era uma quarta-feira. Mas a festa só seria domingo. Para não passar a data em branco, sugeri de buscarmos as crianças na escola e irmos ao shopping para elas dirigirem os minicarros elétricos que tanto gostavam. Mas ao falar isso, meu coração tropeçou. Me assustei pensar: "será que minha filha ainda cabe naqueles carrinhos?" Ela já estava grandinha. Não era mais aquela bebezinha fofinha. Morri um pouquinho por dentro ao me dar conta que, de tanto negar esse entretenimento, ela devia ter dirigido esses minicarros apenas três vezes na vida. Três vezes em seis anos de idade? Que tipo de pai horroroso eu sou. Eu tinha plenas condições financeiras de propiciar alguns desses caprichos para meus filhos. Quis ensinar uma lição, mas os privei de momentos que não voltarão.
Eles não precisavam ser mais racionais. Era eu quem precisava ser mais imediatista, impulsivo, inconsequente e movido por emoção, quando o tema fosse curtir esses momentos com meus filhos. Fomos ao shopping, andamos de carrinho (minha filha parecia o Donkey Kong no Mario Kart), jogamos nos fliperamas, tomamos sorvete, comemos guloseimas, comprei brinquedos e gastei muito mais dinheiro do que economizei nesses seis anos sem alugar os minicarros. O remorso custou caro e descobri que o ignorante era eu.
Recados
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Valeu cada palavra lida! Mesmo em poucas linhas, teve até plot twist! Eu não esperava... A quebra de ritmo foi perfeita! Excelente!
Ainda bem que a Ignorância é o princípio da Sabedoria...