Não era amor, era cilada!
Após acordar do choque e superar a minha má interpretação, fui questioná-la.
Era um domingo mágico. Eu e minha esposa acordamos, mas parecia sonho. Levantamos muito cedo, em sintonia com o sol, dispostos e de bom humor. Parei na varanda da sala para contemplar o amanhecer que estava impressionante. Joana se posicionou ao meu lado. A grama verdinha, ainda úmida do orvalho, se esquentava com os primeiros raios dourados. O brilho solar também coloria nossos rostos à janela. Aquela luz cheia de magia, que os fotógrafos tanto amam, capaz de ressaltar a beleza (ou até mesmo conceder alguma) de qualquer indivíduo que se deixe banhar por ela.
Ao virar, meu olhar encontrou o da Joana, que ignorava a paisagem e me observava, enamorada, com certeza. Que começo de dia, amigos. Após 12 anos juntos, eu tinha a capacidade de saber exatamente o que ela pensava. Estava apaixonada, admirando a minha favorecida beleza iluminada por aquela luz angelical. Me contemplava em silêncio e seus olhos percorriam cada centímetro do meu rosto. Colocou a mão do lado da minha face e passou o polegar na maçã do rosto em um delicado carinho.
Abri um tímido sorriso de canto de boca, me fazendo parecer charmoso. Seu dedo aumentou a pressão no meu rosto enquanto me acariciava insistentemente no mesmo ponto. Ela quebrou o silêncio e disse:
- Estou vendo aqui, isso é uma "mancha de velhice" mesmo! Está cheio no seu rosto. Tem que cuidar disso aí, senão piora.
E saiu.
Após acordar do choque e superar a minha má interpretação, fui questioná-la:
- Como assim “mancha de velhice”? Eu tenho só 37 anos.
- E daí? Se não usa protetor solar fica com essas marcas de sol mesmo.
- Estou feio então?
- Só estou comentando porque sua irmã trabalha com isso. Você podia ver com ela um tratamento para amenizar essas manchas. Caso te incomode, claro.
Nunca havia me incomodado, até então. Mas lá estava eu, na frente do espelho, observando, pela primeira vez, minhas manchas. Uai, mas elas sempre estiveram aí, não? Nossa, essas duas estão grandes, escuras e se destacando mesmo. Ah, que besteira! Nada a ver. Segui meu domingo e esqueci o assunto.
Durante o almoço, naquele mesmo dia, com toda família à mesa, virei o centro das atenções. Liderados pela Joana, todos analisavam e opinavam sobre a aparência do meu rosto. Eu era um carro velho à venda escutando o comprador colocar mil defeitos e ressaltar todas as imperfeições, visando desvalorizar o veículo.
Interrompi a sessão desmotivacional e reforcei:
- Não ligo, gente. Estou apertado e não gastarei um centavo nisso. Muito obrigado.
- Tudo bem, mas se quiser, faço de graça. – ressaltou minha irmã.
Três dias depois fiz o tratamento a laser. De graça, ué!
A sessão com a máquina queimando o rosto foi rápida. Só isso? Que maravilha. Se soubesse, tinha feito antes. Valeu a pena.
Mais um equívoco.
Ao final da consulta, a Doutora Juliane (minha irmã) explicou:
- O tratamento leva meses. Vamos marcar mais algumas sessões. E só o laser não basta. Você tem que comprar uma pomada facial para pele sensibilizadas; esse protetor solar, específico para rosto; um sabonete com ácido glicólico; um sérum de ácido salicílico e mandélico; um manipulado com coenzima q10, silício orgânico, ácido tranexamico, pinus pinaster, polipodium …- continuou, mas a voz foi ficando cada vez mais distante, ecoando no vazio na vastidão dos meus pensamentos - … Tem que usar tudo direitinho senão o tratamento não funciona, tá?
- E você vai me dar tudo isso?
- Não, tem que comprar. E são caros, viu?
Não era de graça? Mais um lapso para a coleção. Mal sabia eu que, ao receber uma dourada rajada de sol num domingo mágico, estaria colocando à luz minhas imperfeições, falhas de discernimento e algumas centenas de reais que me já não eram minhas.
Preferia continuar ignorando (ou não me importando com) as minhas naturais e, quiçá, charmosas manchinhas no rosto. O conhecimento tem um custo. No caso das minhas marcas de sol, garanto que não foi de graça. Saudade de quando eu era um pouquinho mais ignorante e com algumas centenas de reais a mais na conta.
Recados
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Sensacional meu caro, eu quase caí nessa por aqui... haha
De vez em quando, vem um despretensioso comentário sobre rugas de expressão, manchas de sol. Até agora consegui me esquivar, vamos ver até quando. Mas seu relato me deixou mais forte, obrigado!
Também me sinto nessa cilada aí hahahaha