O melhor presente da vida
Em mais de uma década, ela nunca havia ficado tão eufórica com nenhum dos meus suados presentes anteriores. Vai entender.
Nos nossos quase quatorze anos de relacionamento, eu já regalei minha esposa com presentes dos mais variados estilos e valores: singelos, ousados, clichês, personalizados, artesanais, extravagantes, baratos, caros. Me esforcei como pude, nos altos e baixos da minha criatividade e limites financeiros, para fazê-la feliz.
Mas a felicidade é coisa rara, não está inclusa em qualquer mimo. Quantas vezes tive a certeza de dar o presente certo, mas notava, por detrás de um sorriso de boca fechada, uma triste indiferença. Droga, havia errado mais uma vez.
E quando menos me esforcei, comprei o que ela própria descreve como "o melhor presente da vida".
Era uma terça-feira qualquer. No calendário, aquele dia era o ponto mais distante possível de qualquer data comemorativa. Não havia expectativas de presente.
Sinal vermelho. Parei o carro. Um ambulante vendia raquetes elétricas para matar mosquitos. Joana amaria ter uma dessas, pensei. Não sei o que é maior: o ódio que ela sente por pernilongos; ou a atração que eles têm pelo sangue dela. Vinte reais. Comprei.
Quando Joana chegou do trabalho, a recebi com um beijinho e, como quem entrega uma correspondência qualquer, dei para ela a raquete dentro do saco plástico mesmo, do jeito que veio.
Sério, vocês tinham que ter visto o brilho no olhar dela colorindo tudo à nossa volta! Como um ímã da paixão, ela se lançou no meu peito e nossos corpos se chocaram. Me envolveu em seus braços e tentou me beijar sorrindo, mostrando os dentes. Felicidade. Amor. Em mais de uma década, ela nunca havia ficado tão eufórica com nenhum dos meus suados presentes anteriores. Vai entender.
Retirou do plástico e no momento que empunhou a raquete sua energia mudou. Nas mãos da Joana aquela não era uma mera lembrancinha de vinte reais. Era a Excalibur, a espada de Grayskull, um sabre de luz, o Mjolnir, uma katana Hattori Hanzo, trazendo a profecia de que ela estava predestinada a acabar com a tirania dos mosquitos. O artefato com o poder de microchoques despertou nela uma guerreira assassina adormecida. Imediatamente, saiu à procura de seus inimigos e começou uma busca sádica. Entre as muriçocas lá de casa, aquele dia ficou conhecido como The Purge.
Foram dias de sangue, sede de vingança e acerto de contas.
Tenho fundamento para o que vou dizer, afinal joguei tênis durante quase uma década. Ainda hoje, me espanto com a familiaridade com a qual ela segura a raquete. Profissional nata. Quando olho a cena, não vejo a minha dócil Joana. Ela se torna uma fusão entre Serena Williams e Blade, o caçador de vampiros, pronta para vencer a raquetadas mortíferas todos os sugadores de sangue que cruzarem o seu caminho.
Uma mortal partida de tênis começa:
Pzzzzzzz… um pernilongo! Game on! Joana saca (sua raquete), o mosquito a surpreende com um slice em pleno ar, forçando o erro da oponente. Ponto para o inseto! 0 - 15. Ela tenta de novo, mas ele sobrevoa rente ao teto aplicando um belíssimo lob. 0 - 30. A jogadora se desconcentra e erra outra vez. Mais uma bola fora. Out! 0 - 40. O azarão está prestes a quebrar as casas de apostas.
Mas o que ele não sabe é que Joana já começou a partida no matchpoint: precisa de apenas um ponto para aniquilar seu adversário. Uma gota de suor escorre pela testa. Ela se concentra. Repensa seu posicionamento. Muda a estratégia. Está pronta para terminar esse jogo.
A tensão aumenta. O mosquito se lança ao ar. Com um backhand, Joana tenta reagir. Ele consegue desviar performando uma queda vertiginosa, um clássico dropshot. A trocação é franca. O pernilongo vai alto. Joana firma a sua empunhadura e tudo fica em câmera lenta. Nesse microssegundo ela percebe: está prestes a vencer. Pobre muriçoca, nunca teve uma chance real. A raquete corta o ar e acerta em cheio o inseto. SMASH! Temos uma vencedora!
Para o mosquito, acabou. Não para Joana. Ela é uma péssima vencedora. Com um sorriso sádico, olha para a criatura presa na raquete, aperta o botão do choque elétrico e, como quem segura uma frigideira com óleo quente, assiste o inseto fritar durante vários segundos. O seu lado mais sombrio é revelado. No instante seguinte, ela olha para mim radiante e diz:
– Sério, meu amor! Obrigada! Esse foi o melhor presente que você já me deu!
Vinte reais, senhoras e senhores. Em uma terça-feira qualquer.
Curtiu essa crônica? É porque não leu esse outro texto, também sobre meu relacionamento:
Crônica - Não era amor, era cilada!
Minhas últimas…
Resolvi compartilhar o que tenho feito nessas últimas semanas.
O que estou lendo?
“Escrever Ficção - Um manual de criação literária” - Luiz Antonio Assis Brasil
Já li uns 70% do livro. Simplesmente fantástico. Acho difícil um livro superar a qualidade de conteúdo desse manual de criação literária.
E você, tem algum outro bom título sobre escrita criativa para me indicar?
O que estou estudando?
Estou finalizando o curso “Gramática para editores e revisores” com o professor Marcos Marcionilo, módulo da minha Pós-Gradução em “Escrita Criativa e Carreira Literária”. Conteúdo incrível e didática maravilhosa.
E também estou concluindo a matéria “Escrevendo Narrativa Longa II”, no “Curso de Formação de Escritores”, com a professora Lu Aranha. Estou explorando uma das duas ideias que tenho para escrever um livro de narrativa longa.
Meu primeiro clube de leitura
Eu nunca havia participado de um clube de leitura. Uma das livrarias onde eu costumo comprar e frequento para flertar com livros (sou facilmente sugado para dentro de livrarias e sebos - verdadeiros buracos negros para mim) divulgou a seleção de títulos do seu Clube de Leitura. O livro de Março era o “Água Funda” de Ruth Guimarães. Nunca havia ouvido falar.
Ao ler na sinopse que a autora antecipou em certos aspectos o realismo mágico de Juan Rulfo e Gabriel García Márquez, minha atenção foi captada. Afinal, eu amo realismo mágico e os dois autores citados estão entre meus favoritos. Li. Agora “Água Funda” está entre os meus livros favoritos da vida. Acho que vou publicar uma resenha desse título na próxima semana. Não sei se existiria interesse nesse conteúdo, mas estou vou experimentar. Te interessa?
O que estou assistindo?
A série “Ruptura”.
Estou no último episódio da segunda temporada. Que série boa! Achei a segunda temporada ainda melhor que a primeira. As teorias não param.
Também assisti “Anora”, filme vencedor de cinco categorias no Oscar.
Então…
Assim, vai…gostei. Mas acho que o grande erro foi assistir depois de saber que o longa havia ganhado cinco estatuetas. Fui com uma expectativa altíssima para me surpreender com o “Melhor Roteiro”, a “Melhor Atriz”, o “Melhor Filme”. Assisti o filme aguardando o roteiro trazer uma grande reviravolta, algo surpreendente e original; fiquei ansioso esperando aquela cena específica com a atuação que havia consagrado a Mikey Madison; e nada disso chegou.
Com certeza minha experiência teria sido melhor se eu tivesse assistido antes do Oscar ou se o filme não houvesse ganhado esses prêmios.
Você assistiu? O que achou?
Últimas considerações
Estou feliz com as microconquistas aqui no Substack. Obrigado a todos que leem, curtem, comentam e compartilham o conteúdo. Vocês são uns lindos!
Excelente texto Dan!
Muito bom!!! Fiquei curioso sobre o livro "Água Funda".. um dos maiores da vida!? Queremos resenha sim!