Vinhos para idiotas
Desculpa, deve ser resquício da ressaca, tanto dos vinhos quanto da enfadonha etiqueta
Não sou um conhecedor de vinhos. Apesar de ignorante no assunto, aprecio a bebida e seus momentos. Nada além disso. Ainda assim, outro dia, um amigo me convidou para uma noite de degustação da sua adega pessoal, evento que ele organiza mensalmente. Confesso que me senti um estranho no vinho. Fiquei absorto tentando absorver absolutamente todos os absurdos ditos pelos fanáticos da bebida. (desculpa, deve ser resquício da ressaca, tanto dos vinhos quanto da enfadonha etiqueta).
Naquela noite aprendi que os "entendedores-de-vinho" enchem a boca para dizer - aliás, enchem a boca não! Eles tombam a taça, observam a cor e densidade, apreciam o cheiro, giram o recipiente para oxigenar a bebida, para, aí sim, encherem a boca para dizer - que existem cinco fatores que dão características aos vinhos: o dulçor, a acidez, o amargor, o corpo e o álcool. O problema é que no paladar de cada um, tudo isso é muito subjetivo. Não me desce.
Se vou provar um vinho, pego a taça e bebo. Simples assim. Parece óbvio, não? Mas os enófilos parecem incorporar o espírito do Quico do Chaves, e ensaiam repetidas vezes um demorado ritual para a simples tarefa de colocar a droga do vinho na boca e beber. Qual é a dificuldade? Quando finalmente provam, são incapazes de chegar num consenso se a garrafa é de qualidade ou não. A análise parece o suco do Chavinho: É cabernet sauvignon, mas parece merlot e tem sabor de carmenère. Haja paciência!
Tolos. Inocentes. Ultrapassados. Como pude subestimar meu conhecimento empírico? Me dei conta que sei algo sobre o assunto, apenas desconheço os termos e palavras-chave para falar na língua de Baco (seria "babaquês" a terminologia correta? Talvez).
Nós, "não-entendedores", incapazes de acompanhar esses devaneios, utilizamos parâmetros objetivos e diretos para avaliar se um vinho é bom ou ruim. Deixo minha contribuição aos interessados.
Não vou gastar minha sobriedade falando sobre indicadores óbvios como: vinho barato é ruim, o caro é bom; e se a garrafa tem tampa de rosca o vinho é vagabundo. Isso é banal.
Então, que critérios eu, um "não-entendedor-mas-que-alguma-coisa- sabe", uso? Se um amigo chega na minha casa e me presenteia com um vinho, a primeira coisa que faço é um discreto fio terra na garrafa, para checar a fundura da base. Se o fundo for quase plano, como uma long neck, não é nem digno de taça. Pode encher um copo americano e beber de guti guti. Suquinho de uva. Mas se a base da garrafa é profunda e te permite penetrar duas falanges do dedo, bravo! Você acaba de ganhar um vinho excepcional. Não interessa o preço, não interessa o sabor. Pode ter valor de refrigerante e gosto de suco de pozinho de uva, não importa. Assim como os quadris da Shakira, os fundos das garrafas don`t lie!
Mas o principal fator que nós, "não-entendedores", utilizamos para avaliar a qualidade de um vinho é "o dia seguinte". Ah, meus amigos, o dia seguinte é o julgamento final. É quando você conhece o caráter do vinho, quem ele é de verdade. Porque todo primeiro encontro é fachada. Mas e depois?
O bom vinho aprecia e dá valor à noite que vocês passaram juntos. Seguro de si, elegante e desapegado, respeita e entende que no dia seguinte cada um segue seu caminho. Que bebida, senhoras e senhores. Você pensa, como é mesmo o nome dele? Não posso esquecer, pois vou querer repetir a dose.
O vinho ruim é dissimulado, carente e vingativo. À primeira vista, parece ser uma ótima escolha. Boa aparência, encorpado, te faz salivar, causa boas sensações ao entrar em contato com as mucosas da boca e pouco depois você já está à vontade, alegre e rindo mais do que o normal. Passam a noite juntos. Que achado.
Mas chega o dia seguinte: o maldito dia seguinte. Ao abrir os olhos pela manhã, você percebe que ele ainda não foi embora, está grudado em você, com aquele cheiro nauseante. O vinho ruim se revela tóxico: gera humilhação, constrangimento e ridicularização. Acaba com seu psicológico e você começa a duvidar de si mesmo e das suas decisões. Te convence que o erro foi seu e você começa a se condenar: "A culpa é minha! Eu devia ter bebido água. Não comi direito. Como pude ser tão idiota? Nunca mais eu faço isso, eu prometo". Mas sabemos que o erro não é da vítima, e sim do vinho abusivo. Nos casos mais extremos, sua saúde e integridade física podem acabar indo para o saco. Ou para o vaso. Triste.
O "dia seguinte" não discrimina cor, idade ou origem do vinho. Não importa se é tinto, branco ou rosé; se é boa safra ou salafrário; nem se é francês, chileno ou gaúcho. Ele traz a verdade como ela é, sem se importar com o grau de dulçor ou amargor. Então, amigos, bebam, sem medo de serem felizes (hoje). E amanhã, veremos.
Recados
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Esse foi o segundo texto que postei aqui no Crômicas. Já leu o primeiro?
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Muito bom!
Hahahah achei demais!!! Adorei o trocadilho de “boa safra/salafrário”, digna de um leitor voraz!!! Parabéns!!!!